Um Yogue Indiano chamado Buda Shakyamuni

Texto de 13/08/2007

Meu primeiro contato, foi através da capa de seu livro, e não foi tão empolgante.

Seu livro já era um best-seller, muitos estavam lendo.

Eu estava preocupado com meu câncer, isto mesmo, um câncer.

Precisava de ferramentas para ajudar no processo de cura.

Alguns insistiram, leia, que você vai gostar.

Até que um amigo me deu o livro de presente, com dedicatória, pedindo para que eu o lesse.

Era a Arte da Felicidade, com o Dalai Lama na capa.

Fiquei impressionado com a coerência da argumentação, decidi me aprofundar no assunto.

Tornei-me um estudioso do Budismo Tibetano.

Visitei vários centros de prática, em São Paulo e no Paraná, conheci diferentes tipos de meditação, mantras, monges e lamas (professores).

Anos depois, em 2005, conheci uma monja, Tenzin Namdrol, que morava em Dharamsala, a terra do Dalai Lama, e preparou toda a minha viagem. Estadia, local de prática com o melhor professor de yoga, e o mais especial, o período de ensinamentos mais profundos com Sua Santidade, o XIV Dalai Lama.

Confesso que estava ansioso de conhecer a pessoa, que sem saber, havia me ajudado tanto no processo de cura do meu câncer.

Foram 15 dias de estudo, das 09 às 16 horas, onde ele abordou um dos principais tratados filosóficos do Budismo Tibetano, O Grande Tratado do Caminho da Iluminação, de Tsongkapha. Três volumes de aproximadamente 400 páginas cada, lidos e comentados integralmente. Até hoje, penso que não sei dimensionar a preciosidade do presente recebido. Quando faço a revisão deste texto, tenho que tirar dias de retiro, só para a leitura.

Ao final, na despedida, fui tomado por forte emoção, ao lado da monja Tenzin Namdrol, que havia organizado quase tudo (o monge Ngawang Temphel, também ajudou muito) para eu viver aquele momento. Choramos muito quando Sua Santidade nos lembrou da importância de desenvolvermos uma mente compassiva.

Agora, em 2007, dois anos depois, eu voltava para Dharamsala, para encontrar o professor que havia passado pelo Brasil em abril de 2006.

Chegamos na véspera do seu aniversário de 72 anos, e depois, teríamos 7 dias de ensinamentos, sobre o Voto de Bodisatva na perspectiva de Tsongkapha.

06 de Julho de 2007, o Dalai Lama celebrava seu 72o. aniversario, como todo ano, a comunidade tibetana em Dharamsala se concentrava desde cedo, próximo ao templo de Sua Santidade.

As celebrações começariam 09 horas, mas por volta das 08 horas já era impossível encontrar algum lugar que possibilitasse a visão da cadeira de Sua Santidade.

Para os ensinamentos, haviam na cidade em torno de 10 brasileiros, 6 de nosso grupo original, 2 que se juntaram a nós por lá, e mais dois bons amigos que sempre estavam conosco nas restaurantes da cidade. Fora este grupo de visitantes, tínhamos o carinho da Márcia, ou melhor, Ani (monja) Gyurme, seu nome de monja, brasileira, carioca, que vive por lá, e pertence a linhagem Kagyu, mas seria mais preciso dizer, fã do Karmapa, um dos grandes mestres desta linhagem.

Quando Sua Santidade surgiu, anunciado pelo silêncio do público, e o tocar das gaitas escocesas (foles), uma emoção tomou conta de todos. Ele, como sempre, com sorriso nos lábios, simpatia nos gestos ao cumprimentar a todos que via. Richard Gere se fez presente, ou alguém muito parecido, mas ali, parecia uma estrela menor, pois poucos olhares procuravam outra pessoa que não fosse Tenzin Gyatso, Sua Santidade, o 14o. Dalai Lama, Prêmio Nobel da Paz de 1989.

O Dalai Lama surge acompanhado do 17o. Karmapa, o jovem de 22 anos, que sempre que aparece nestas celebrações, destaca-se por sua forte presença.

Discursos, músicas e danças típicas se seguem, como todo ano, celebrando a data do filho mais querido das invadidas terras tibetanas, o pais que era considerado o teto do mundo, e eternizado por vários filmes, entre eles Kundun, ou 7 anos no Tibet.

No dia seguinte iniciou-se a semana de ensinamentos. Todas as manhãs, ele comentava textos de Tsongkapha e Atisha, e no período da tarde, grupos de discussão se reuniam nas línguas oficiais do evento, ou seja, inglês, chinês e coreano. Coordenei o grupo de estudos do Brasil, onde tivemos maravilhosos encontros, e aprofundamos todos os dias as palavras de Tenzin Gyatso. Era uma alegria receber em nosso hotel, alguns brasileiros que tinham que atravessar a cidade, só para escutar a revisão em português.

Os ensinamentos eram em torno da importância de buscarmos nossa realização espiritual, não só pela correção de nossa conduta, ou a prática da meditação, mas principalmente, pelo estudo da natureza da realidade, uma percepção mais acurada dos fenômenos de nossa vida, e a análise destas percepções. Para isto, muita filosofia, muita metafisica, explorar o conceito de vacuidade e estudo, muito estudo. O que Sua Santidade já havia salientado como fundamental em sua última visita ao Brasil, em 2006.

No último dia, muitos de nosso grupo foram às lagrimas, o Dalai Lama falou sobre a importância da Bodhichitta, a mente da compaixão, que deve ser praticada para abraçar a todos, para receber a todos, para acolher a todos. Depois de tão belas explicações, Sua Santidade convidou a todos que quisessem tomar o voto de Bodisatva, poderiam tomar este voto com ele, tendo ele como guru. O que isto significa? Significa prometer ao Dalai Lama, dedicar sua vida a ajudar aos outros a superarem seu sofrimentos, e atingir a realização espiritual. Assim como fez Ananda, o assistente mais próximo do Buda Shakyamuni.

Antes de deixarmos Dharamsala, a querida monja Ani Gyurme e seu professor, Lama Norden, conseguiram uma entrevista pessoal com o Karmapa, ou melhor, o grupo de brasileiros seria recebido por uma das figuras mais importantes do Tibet, para perguntas pessoais. Sérgio, um dos participantes do nosso grupo, professor universitário na Bahia, fez a pergunta na sua área de atuação, meio-ambiente.

O jovem mestre de 22 anos, depois de minutos de reflexão, demonstrou vários sinais de preocupação com o que estamos fazendo com o planeta, e nos aconselhou: “Devemos nos organizar, não há tempo a perder, estamos à beira de um abismo.” Sérgio, especialista e professor nesta área ficou impressionado com o grau de consciência do mestre.

A outra pergunta deveria ser feita por mim, como havia solicitado bençãos nupciais, minha pergunta concentrou-se nas questões relacionadas à felicidade de um casal. Depois de nos abençoar (eu e Liliane), e dizer que iria nos colocar em sua preces, aconselhou: “Aproveitem a vida, são poucos os momentos de verdadeira felicidade!”

Estávamos todos emocionados pelos importantes momentos, partimos com o coração já cheio de saudades de Dharamsala.

Depois de longas viagens e outros atrações turísticas típicas, com aventuras que a Índia proporciona de forma quase única, fomos à Varanasi, cidade sagrada de Shiva. Esta cidade, comum para os que fazem sua viagem à Índia com enfoque no yoga, ou hinduísmo, tem uma atração especial para os budistas. Ao lado de Varanasi (10Km), está Sarnath, local do primeiro sermão do Buda, onde ele encontrou seus antigos cinco companheiros de práticas de yoga e ascetismo. Lá ele ensinou às Quatro Nobres Verdades (a existência do sofrimento, suas causas, que existe a possibilidade de cessar o sofrimento e o caminho para isto). No local, na Stupa de Dhamek, que marca o local exato do primeiro sermão, recitamos mantras, fazendo a circumbulação da Stuapa, em seguida a leitura do mesmo, em grupo, e meditamos em silêncio. Muito significativo, muito emocionante.

Ao lado do parque, o museu arqueológico de Sarnath nos apresenta peças de beleza e antiquidade impressionante, principalmente um Buda do Séc. V, e os leões e roda do pilar de Ashoka (símbolos da Índia), que estão de maneira impressionante intactos, e datam do Séc. III a.C.

Estudar a existência do sofrimento, e no dia seguinte visitar as cerimônias religiosas hindus na beira do Ganges, nos faz entender ainda mais os caminhos trilhados pelo Buda, e torna nossa busca espiritual ainda mais profunda.

Em seguida, viajamos para Bodhigaya, local de iluminação do Buda, no primeiro dia visitamos os principais locais de ensinamento do Buda, Pico dos Abutres, Universidade de Nalanda e Parque dos Bambus. Todos marcantes, mas o Pico dos Abutres, local de ensinamento dos dois mais importantes sutras budistas, o Sutra do Lótus, e o Sutra do Coração, é de arrepiar. O local está em um parque, com natureza esplendorosa bem conservada, meditar por lá, é estar muito próximo da vivência que o Buda teve por 6 anos. (Ele passou seis monções, período das chuvas que utilizava para retiros)

No último dia em Bodhigaya, conhecemos o local da iluminação de Buda Shakyamuni, meditamos ali, embaixo da árvore Bodhi (ficus religiosa), monges e praticantes de vários lugares do mundo, ali se encontram, no ponto principal de qualquer peregrinação budista.

Impossível continuar sendo o mesmo, tantas expressões, de diferentes países, na mesma fé dos ensinamentos do yogue indiano que ensinou o caminho para o nirvana, um estado paz e tranqüilidade, além das pertubações da mente, um estado que poderia ser definido como “yoga chitta vritti nirodaha”.