Na tradição Zen
Budista do Vietnã costuma-se antes de se prostrar, em sinal de
respeito, ao altar, recitar versos que dizem o seguinte: este que se
prostra, e aquele que recebe a prostração, são vazios de
características próprias.
Para não detalhar o
complexo ensinamento de vacuidade e vazio, explico apenas que isto
quer dizer que a prostração é um gesto de respeito a tudo o que
compõe o altar (história, ensinamentos, etc...) e mostra uma
atitude respeitosa para o objeto de prostração. Mas ambos não tem
uma identidade, ou benefícios a serem desejados desta prostração.
Não deve se achar algo, quem se prostra, nem quem recebe a
prostração.
O Budismo é um caminho
de libertação de sofrimentos, desapego à visões, e portanto, não
se baseia na adoração de imagens, e muito menos professores. O
Budismo ensina a sermos livres, mais esclarecidos e menos
dependentes. Se as imagens e professores lhe direcionam para esta
independência, pode ficar tranquilo.
Na tradição tibetana,
a prostração é vista com bastante frequência, em diversas formas
de prática. Porém, em uma sociedade composta em sua maioria por
analfabetos (só os monges e poucos privilegiados estudavam), a
prostração não era algo que carregava consigo um entendimento
sobre a noção de vacuidade.
No Budismo Tibetano se tem o hábito de práticas de prostrações |
Este foi um dos fatores
que contribuiu para muitos problemas sócio-político tibetanos, e
fundamentava o que ficou conhecido como lamaísmo.
Lama, título que
significa professor (pode ser leigo ou monge), era o detentor da
cultura que havia disponível na região, e poderia abusar de seu posição,
com privilégios e em alguns casos, abuso de poder sobre seus fiéis.
Não é difícil
imaginar que a
figura do Lama assuma tanto poder em uma cultura tão desigual.
Porém
na cultura ocidental, a importação destes hábitos e tradições,
são demasiado artificiais.
Infelizmente,
no Brasil vemos muitos casos de abuso sobre a crendice popular.
Em
sua visita ao Brasil, em 2006, o Dalai Lama detectou a problemática
desta questão, e ressaltou em reunião junto aos grupos budistas do
país: “Vocês
são ocidentais e mudaram suas roupas. (referindo-se
aos mantos, saias e sobremantos dos brasileiros ali
presentes). Mudaram
até a mobília da casa de vocês. Vocês acham que o Darma está nas
roupas ou na mobília, nos adornos de suas casas? (Estão
enganados)... O Darma não está nas roupas, mas no coração e na
mente”
Nesta
mesma reunião, entre vários avisos, pediu para que avançássemos
no Budismo através de estudo, muito estudo, para que
desenvolvêssemos uma mente de entendimento, e não através de
prostrações, adorações, vestimentas, crendices ou outros rituais
que a tradição de outros lugares podem valorizar.
Este
foi um dos motivos que tomei a decisão, salientada em outros textos
do Dalai Lama, de aproximar-me da tradição do mestre Zen Thich Nhat
Hanh, onde mais do que rituais, venerações e crendices, o estudo da
Psicologia Budista aplicada, ou seja, como estudamos nossas emoções,
e a transformamos em comportamentos dignificantes, são mais
valorizados do que mantos, incensos e rituais. Não é que não
existam rituais, mas estes devem ser vistos com sabedoria, pois, por
exemplo, no caso da prostração, ela pode fazer mais mal a quem
recebe tal gesto, que pode se achar em posição de poder
(inexistente), do que aquele que executa a prostração.
Dalai Lama e Thich Nhat Hanh |
Em
resumo, o Buda não permitia nenhum tipo de adoração em relação a
si mesmo, e com medo que isto ocorresse, pediu para que não fosse
representado em imagens, o que começou a acontecer somente alguns
séculos depois de sua morte. Portanto, ensinamentos que não se
caracterizam no desenvolvimento do indivíduo, seu esclarecimento e
independência devem ser vistos com cuidado redobrado.
Por
Irmão Vitor, em Agosto de 2013.